sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

MEMÓRIAS DE PEDRINHO (Cordel)

                                              Ou "O drama de um menino herói"

















Eu conhecia Pedrinho.
Nasceu pobre e sem carinho
Na Fazenda Solidão.
Pedrinho não tinha amigos;
Vivia sob os castigos
Impostos por seu irmão.

Sem pai, Pedrinho vivia;
Sem conhecer harmonia,
Sua mãe, velha e cansada.
Naquele lar descontente
Praquele pobre inocente
A vida não era nada.

Ele não tinha parceiro
Para brincar no terreiro
- Não tinha amigos! Porém,
Tinha consigo a vontade
De vir morar na cidade:
Como os camponeses têm.

Sonhava um mar de brinquedos,
Sair daqueles degredos:
Da solidão; do deserto.
Sonhava um céu de amigos,
Sair daqueles castigos,
Daquele futuro incerto.

Um dia a mãe de Pedrinho
Morreu e o pobrezinho
Ficou por conta do irmão
Que, depois de certa idade
Fora morar na cidade,
Vendendo seu doce chão.

E lá, Pedrinho, coitado,
Não tinha mamãe de lado
Nem seu irmão o ligava.
Ninguém lhe tinha cuidado
E em um menino levado
Pedrinho se transformava.

E a mercê do destino
Lá vai aquele menino
Nas ruas perambulando...
Dormindo sempre ao relento,
Por falta de acalento,
De um de outro apanhando.

Um vulto pequeno e triste
Somente na rua existe
Por volta da madrugada...
É Pedrinho que caminha
Onde ninguém acarinha
Sua cabeça cansada.

Aquele corpo pequeno
Molhado pelo sereno
Por fim adormece triste
Numa parede, encostado,
Aquele corpo cansado.
Só a madrugada assiste.
Às vezes interrompido
Por rumor ou estampido
De um automóvel que passa...
Daí, Pedrinho se acorda
Quando uma lágrima transborda
Dos seus olhinhos sem graça.

É de manhã... E Pedrinho
Pensa chorando sozinho:
Seria bom se voltasse?
E vem trilhando o caminho...
Ainda chove e, em carinho,
A brisa lhe beija a face.

Chega em casa, olha pra porta...
Pedrinho já não suporta
O medo que lhe afugenta.
Seu irmão o vê em frente...
Pedrinho vai novamente
Pra punição violenta.

Nenhuma escola o aceitava...
Pedrinho ninguém amava,
‘Tava jogado na rua...
Dos meninos que tentava
A amizade, não ganhava;
Não trocavam pela sua.

Ficava no paredão
Olhando a animação
Dos felizes que brincavam...
Pedia que lhe aceitassem,
Pra que junto eles brincassem.
Porém todos se negavam.

Ele ali ficava olhando
Por muito tempo e chorando
Até que tudo acabava...
Ele enxugava os olhinhos,
Voltava pelos caminhos
Por onde peregrinava.

Até que um dia, implorando,
De muito pedir chorando
Conseguiu matricular-se.
Voltou pra casa correndo...
Coitado, estava temendo
Que ninguém o aceitasse.

 A roupinha de Pedrinho,
O lápis, o seu livrinho,
Não eram novos, nem belos.
Como, sapatos não tinha,
Sem ter recalques, lá vinha
Pedrinho com seus chinelos.

Pouco a pouco foi Pedrinho
Levado pelo caminho
Do estudo e do saber...
Não tendo amigos ainda,
Mas, com confiança infinda
Pedrinho pôs-se a vencer.

Mas, sempre ali sucumbido;
Lá no seu canto esquecido,
Sem ter amigos, Pedrinho.
Já que ninguém o queria
Pobre menino fazia
Suas tarefas sozinho.

Um dia, quando ao recreio,
Um fio partiu-se ao meio
Causando dano e transtorno.
O prédio se incendiava
E aquela gente ficava
Toda exposta àquele forno.

Saíram muito, porém,
Como existiam também
Pequeninos inocentes,
Em pânico, nem os ligavam
E os meninos ficavam
Mercê das chamas ardentes.

Em pânico, os professores
Presenciavam os horrores
Do fogo devorador.
As chamas fortes, ardentes;
Os gritos dos inocentes,
A grande cena de horror.

Só se via de Pedrinho
O vulto pequenininho
Que entre as chamas corria.
Queimando as suas mãozinhas.
Pegava seus coleguinhas
De um por um e trazia.

Dava uma volta e lá vinha
Queimando a sua roupinha;
A sua pele, o seu rosto,
Trazendo mais um colega
De dentro da chama cega
Que atacava com gosto.

Ninguém, somente Pedrinho
Arriscava seu corpinho
Que se queimava nas chamas.
Todo esforço ele exercia
E aquele povo assistia
O mais horrível dos dramas.

Passou-se mais um momento,
Acabou-se o salvamento
O fogo não mais queimava
Aqueles pobres inocentes...
Mas, entre aqueles viventes
Pedrinho não mais estava.

O fogo bravo queimara,
Tudo se desmoronara
Naquela cena voraz
E todos, lá de um cantinho
Esperavam por Pedrinho
Que foi e não voltou mais.

Depois que tudo passou,
Que toda a chama apagou,
Saíram abrindo caminho
E viram que lá adiante
Na cinza carbonizante
Estava o pobre Pedrinho.

O seu corpinho sem vida
Mostrava o fim da partida:
Pedrinho não se mexia...
Dali, então, o levaram,
Num sepulcro o colocaram
E ali Pedrinho dormia.

Hoje, já não vaga mais;
Já não peregrina mais
Nas madrugadas desertas;
Já não anda mais Pedrinho
No seu incerto caminho
Naquelas ruas incertas.

Hoje a brisa não mais beija
A figurinha andareja
No seu desfile ao relento.
Também, nem mais o sereno
Molha seu corpo pequeno
Com marcas de sofrimento.

No grupo onde ele estudou,
O diretor colocou
Em cada classe um retrato
E embaixo um cartãozinho
Dizendo: Perdão Pedrinho,
Eu sempre te serei grato.

E hoje quem ver seu túmulo
Vai presenciar o cúmulo
Do amor e da gratidão.
Cheio de flores bonitas
E por todo lado, escritas
Frases de recordação.

Mora Pedrinho hoje em dia
Na mais perfeita harmonia
No paraíso com Deus.
Lá não irá mais morrer,
Nem irá mais responder
Por nenhum dos atos seus.


Campina Grande, setembro de 1975

Um comentário:

Unknown disse...

Maravilhoso, esse é o melhor poema que já li.